terça-feira, julho 18, 2006


"O Amargo da tua boca Doce" - O diário de Nando Playboyzinho
(Depoimento a Stuart Silva)

Capítulo 2 - A seita - Parte 1 de 3

Sexta, 18 de março de 2005.

O meu nome é Nando Playboyzinho e eu sou um garoto de programa. Garoto de programa o, risco a expressão no meu diário. Scort-boy soa bem melhor. Definições à parte, o que todo mundo acha é que quem está nessa profissão tem a vida fácil.

No começo, eu também pensava assim. Ganhar dinheiro transando. Muito dinheiro. Quem não gostaria duma vida dessas? Cada dia uma cliente nova, um cenário diferente e um monte de dinheiro. “Não dá pra sentir tédio numa profissão dessas”, era o que eu pensava. E achava que ia me dar bem.

Era um dia nublado e o endereço me levou a um antigo casarão em Santa Teresa. O lugar era estranho, soturno, tipo locação de filme de terror de baixo orçamento.

Fechei os olhos e, fazendo a imaginária roleta girar, toquei a campainha apreensivo.

Nada.

Insisti, tocando mais duas vezes.

Nada, de novo.

Quando ia tocar pela quarta vez, um bicho deu um rasante sobre minha cabeça e me assustou. Instintivamente me virei, tentando ver o que era. “Acho que foi uma coruja”, pensei quando ouvi uma voz estranha pronunciar meu nome.

— Nando Playboyzinho?

Senti um calafrio. Virei-me e vi um sujeito alto e forte, vestindo um hábito marrom-escuro com a cabeça coberta por um capuz que deixava à mostra apenas o lábio inferior e um pedaço do queixo. No hábito, na altura do peito, havia um símbolo bordado em dourado (talvez um triângulo) que não consegui identificar direito. "Acho que eu vim parar dentro d' O Código da Vinci". Por um segundo, imaginei o irmão Silas vestido de crupiê de cassino paraguaio rindo diabolicamente e recolhendo todas as minha fichas.

— Nando Playboyzinho? — ele repetiu com a mesma entonação anterior.

— "Satisfação sexual delivery", para senhoras. — adverti, tentando me sustentar em alguma coisa.

Ele pareceu ignorar o que eu dissera.

— Sua presença é aguardada. Siga-me, por favor. Eu serei seu guia.

Segui o sujeito como ele ordenou. O portão fechou atrás de mim fazendo um barulho sinistro. De repente, tive a impressão que o dia ficou mais nublado. Talvez fosse só impressão, dada a variedade de plantas que ornavam o jardim em torno do casarão.

Entramos na casa em silêncio.

No hall, o guia abriu a porta para uma ante-sala muito escura. Adentrei-a, tateando as paredes e minha perna direita logo descobriu uma pesada cadeira colocada no meio do caminho. O homem acendeu as velas de um castiçal trabalhado em madrepérola.

Esfregando a canela, finalmente pude olhar a sala. Pequena, abafada e com poucos móveis: duas cadeiras antigas de espaldar (uma das quais eu já fora apresentado) e uma mesinha de canto. As paredes tinham ganchos com roupas penduradas. Parecia um vestíbulo.

— Você seguiu as instruções conforme previamente acordado?

Acenei que sim com a cabeça. A cliente que me contratara havia feito recomendações expressas sobre a minha preparação para o encontro. As exigências incluíam que eu depilasse minhas partes íntimas, tomasse um banho de pétalas de rosas brancas e, com doze horas de antecedência, bebesse apenas água. “Que fetiche!”, eu pensei quando desliguei o telefone. “Mas se vai pagar o triplo, pra mim tudo bem”.

— Tire suas roupas, por favor e vista este hábito. — o guia falou.

— Tudo bem. — eu disse enquanto tirava minhas roupas.

— E ao final, amarre este cordão na cintura. — ele apontou um cordão de linho cru sobre a cadeira à minha frente.

De cueca, comecei a vestir o hábito.

— Todas as roupas. Inclusive a peça íntima. — destacou.

Pensei no dinheiro e arranquei meu último vínculo com o mundo real.

Terminei de vestir o hábito e passei o cordão na cintura. Sei lá o porquê, tentei dar o nó mais simétrico possível.

— Venha.

O guia disse enquanto abria a porta para uma sala intensamente iluminada da qual escapava um cântico solene.

— É chegada a hora da cerimônia.


(Continua...)
Não perca na próxima quinta-feira a continuação desta surpreendente aventura de Nando Playboyzinho.

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